Quinze dias após Araraquara (SP) decretar lockdown , a Secretaria Municipal da Saúde consegue apontar alguns resultados positivos na medida que fechou a cidade e proibiu a circulação de moradores sem justificativa.
O município enfrenta uma crise hospitalar. A taxa de ocupação dos leitos chegou a 100% nas últimas semanas e, segundo a prefeitura, a situação pode ter relação com a identificação da variante brasileira do novo coronavírus em 29 pacientes.
Um estudo do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Universidade de São Paulo encontrou a variante em 93% dos casos analisados na cidade.
"A gente saiu de quase 50% dos testes positivados para 23%. Hoje, estamos colhendo os frutos do lockdown com a diminuição do número de casos. Foi um fruto doído, mas bem recebido porque mostra que a gente conseguiu diminuir a transmissão. A gente tira a lição do quanto é importante o isolamento social", avalia a secretária Eliana Honain.
A meta principal era diminuir a circulação do vírus e o primeiro indicador a ter redução - o número de contaminações - aponta exatamente nessa direção. O lockdown foi iniciado em 21 de fevereiro, um dia após Araraquara bater recorde de casos com 248 registros. Já no último boletim, divulgado na segunda-feira (8), 15 dias após o fechamento da cidade, foram registrados apenas 58 casos, somando 15.577 infectados desde o início da pandemia.
Mesmo que historicamente a segunda-feira seja um dia com baixo número de confirmações por causa da pouca liberação de resultados, a quantidade representa uma redução de 38,9% em relação ao mesmo dia da semana passada, quando foram confirmados 95 casos.
Até esta terça-feira (9), a circulação de veículos e pessoas na cidade de 240 mil habitantes é permitida apenas para a aquisição de produtos e prestação de serviços liberados pelo decreto municipal. Quem estiver na rua, tem que apresentar documento justificando a circulação, sob pena de ser multado em R$ 120.
Mas o principal indicador apontado pela secretária de Saúde não é o número absoluto de casos e sim o percentual de positivos entre os testados. Nos quatro dias anteriores ao lockdown (18 a 21 de fevereiro) esse percentual variava entre 37% a 49%, já nos últimos quatro dias (4 a 7 de março) variou de 19% a 26%.
Os reflexos das restrições no número de óbitos, porém, ainda não aconteceram. Desde 10 de fevereiro, a cidade registra óbitos por Covid-19 todos os dias. Somente na segunda-feira, foram mais 6 óbitos.
Neste ano, 160 pessoas morreram de Covid-19, o correspondente a 63,5% de todos os óbitos causados pela doença na cidade em toda a pandemia.
Segundo Eliana, a redução nos óbitos ainda deve demorar por volta de dez dias. Isso devido à dinâmica da doença, que começa a se agravar entre o 8º e 10º dia após a contaminação.
"Ainda não há resultado no número de mortes porque os pacientes que vieram a óbito estavam internados há mais tempo, foram contaminados no período de maior transmissibilidade", explicou. "É muito triste isso porque, se não fossem tantos contaminados, nós, com certeza, não teríamos esse número de óbitos."
A ocupação das UTIs que ficou em 100% por dez dias também teve queda - na segunda-feira estava em 93% - , mas, nesse caso, o mérito foi muito mais da abertura de novos leitos do que da diminuição de internações.
Desde o início da pandemia, foram abertos 117 leitos exclusivos para a Covid-19 e há ainda previsão de mais com o acordo entre a prefeitura e uma igreja, onde serão instalados 17 leitos.
"Todos os dias a gente vem abrindo leitos, por isso que a gente acha que a ocupação não é o número perfeito para demonstrar o avanço da doença. Para a gente, o que mensura a situação é o número de pessoas internadas a cada dia", afirmou Eliana.
Segundo ela, esse indicador também começou a cair no domingo (7). "Essa tendência tem que se manter por uns dez dias para que possamos dizer que estamos em declínio", explicou.
Futuro
Agora, a progressão das flexibilizações depende de como a população irá se comportar diante da abertura das atividades, retomada em fases desde 27 de fevereiro.
"Passamos do lockdown total para a fase vermelha, com algumas flexibilizações. Com isso, a nossa preocupação é de as pessoas não ficarem em casa e voltarmos a ter um número crescente de contaminação e, consequentemente, de óbitos", afirmou.
Na sexta-feira, o Comitê de Contingência irá se reunir para avaliar os indicadores e decidir como ficarão as atividades nos próximos dias.
"Medidas mais rígidas estão prevista no decreto, depende exclusivamente dos indicadores. Nós vamos avaliar e, se os números estiverem crescentes, vamos fazer novas restrições em Araraquara, não temos medo disso."
Isso porque segundo a secretária, embora haja uma melhora, ela não é suficiente para considerar a cidade segura.
"É o esperado, mas não é o suficiente. Para a gente ter uma tranquilidade, os positivados têm que chegar a apenas 5% dos testes coletados diariamente. Para ter um situação de controle, existem só duas ações: o isolamento e a vacina, que é muito precária por conta da disponibilidade e que não depende dos municípios", diz.
Segundo Eliana, Araraquara pleiteou aos governos federal e estadual prioridade na vacinação diante da situação de crise que a cidade enfrente, mas a tentativa foi infrutífera.
"O pedido foi ignorado no governo federal diante da situação que o Brasil se encontra, com várias regiões na mesma situação, e o governo estadual nada pode fazer porque quem ingesta a vacina é o governo federal."
Diante das negativas, Araraquara aderiu ao consórcio municipal para a compra de vacinas. Na opinião de Eliana é a tentativa que os municípios estão fazendo para tentar resolver a pouca oferta do imunizante e avançar na vacinação que poderia ser uma aliada na flexibilização das atividades.
"O que não é correto porque a única responsabilidade hoje do governo federal é em relação às vacinas e ele deveria cumprir, mas se ele não cumpre, a gente deve tomar outras medidas."
Variante brasileira
Hoje, a secretária tem certeza que a causa da explosão de casos de Covid-19 em Araraquara e a crise hospitalar em função do aumento de internações foi causada pela variante brasileira do novo coronavírus.
Pouco antes do lockdown, a cidade havia identificado 12 pacientes com a variante batizada de P.1, encontrada pela primeira vez em Manaus. Atualmente, 93% das amostras analisadas são da variante brasileira, inclusive a da secretária, que foi contaminada em fevereiro.
Para a secretária, não é apenas Araraquara que enfrenta a nova variante.
"Nada nos garante como ela chegou. O que a gente acha é que a gente descobriu primeiro, mas essa é a variante que está circulando no estado inteiro e no país. No princípio, as pessoas acharam que deveriam fechar as portas para Araraquara por causa da cepa, mas hoje todo mundo tem a consciência de que essa variante está em todas as cidades e, talvez, se tivéssemos feito todos em conjunto o lockdown, hoje a região toda poderia estar em uma situação melhor", afirmou.
Eliana acredita que a nova cepa do vírus irá mudar a forma de combater a doença. "A gente vai ter que tomar medidas mais rígidas, e aí não vai ser em Araraquara, mas o estado vai tomar e o país vai tomar. Há um grupo de estados que está se unindo para medidas mais rígidas diante do caos que já se instalou", afirmou.
G1