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A pandemia de covid-19 tirou 4,4 anos de expectativa de vida no Brasil e antecipou em uma década a desaceleração do crescimento da mão de obra. A crise sanitária foi um choque que deve acelerar o decrescimento da população, mas não mudar o rumo da tendência demográfica que vinha em curso no Brasil, afirmam especialistas. Em 2019, uma pessoa nascida no Brasil tinha expectativa de viver, em média, até os 76,6 anos. Hoje vive cerca de 72,2 anos. "O primeiro impacto da pandemia é o aumento da mortalidade e, como consequência, forte redução da expectativa de vida", afirma a pesquisadora Ana Amélia Camarano, coordenadora de Estudos e Pesquisas de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De março de 2020 a dezembro de 2021, afirma Ana, houve perda de 4,4 anos na expectativa de vida. "Isso é muita coisa. Perder 4,4 anos em 22 meses significa uma perda de vida de 0,36 ano ou quatro meses em cada mês", argumenta. "Entre 1980 e 2019 ganhou-se quatro meses por ano de expectativa de vida. Entre 2019 e 2021, perdeu-se quatro meses por mês de expectativa de vida." Com a pandemia, a mortalidade se tornou uma variável importante no envelhecimento populacional, para o qual historicamente pesava mais a queda da natalidade. Além de mais mortes, menos pessoas nasceram. Os nascimentos já vinham diminuindo antes da covid porque a fecundidade estava caindo no Brasil. A pandemia trouxe também aumento da mortalidade materna, levando à mortalidade de bebês e ao adiamento de gravidezes, acrescenta a pesquisadora. "O efeito disso na população foi uma desaceleração acentuada do crescimento e antecipação da diminuição da população. Já estava previsto que a população diminuiria a partir de meados da década de 2030, mas com a pandemia isso deve acontecer até o fim desta década. Começa a haver diminuição da população total e também da população em idade ativa (PIA)", prevê Ana. Segundo projeções da pesquisadora, a população brasileira deve ir de 204,6 milhões em 2020 para 212,2 milhões em 2025, 209,7 milhões em 2030 e 204,2 milhões em 2035. A PIA deve passar de 136 milhões em 2020 para 142,7 milhões em 2025, 139,8 milhões em 2030, e 133,1 milhões em 2035. Camarano afirma que tanto a população total quanto a PIA devem crescer de 2020 a 2025, apesar de menor natalidade e maior mortalidade, porque a PIA nasceu antes da pandemia e só será afetada pela queda da natalidade decorrente da covid-19 em 2035. "Quanto à mortalidade, o efeito foi desacelerar o crescimento da PIA para depois levar a uma redução que já estava prevista. Antecipamos em cerca de dez anos a desaceleração do crescimento da mão de obra." Ela chama atenção para consequências da transição acelerada como o "desequilíbrio dos mecanismos de transferência intergeracionais". "Em uma população, pais cuidam dos filhos e filhos cuidam dos pais. A tendência é ter mais pais e menos filhos, seja para cuidar, seja para pagar a conta da Previdência", diz. Para o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas por quase 20 anos, a pandemia foi um choque que deve antecipar a tendência de decrescimento, mas não mudar o rumo da tendência demográfica no Brasil. "De modo geral, a pandemia aumentou a mortalidade e diminuiu a natalidade. Isso para o mundo e para o Brasil também", diz. "Desde o início da crise sanitária, diminuiu em 300 mil o número de nascimentos e aumentou em 400 mil o de mortes, o que levou a um crescimento vegetativo menor em 700 mil." Em 2019, foram 2,8 milhões de nascimentos e 1,28 milhão de óbitos no país, segundo dados do Portal da Transparência relativos ao registro civil. Em 2020, o número de nascimentos caiu para 2,64 milhões e o número de óbitos subiu para 1,47 milhão, com crescimento vegetativo indo para 1,17 milhão de pessoas. Em 2021, o número de nascimentos caiu para 2,62 milhões e o número de óbitos subiu para 1,73 milhão, com crescimento vegetativo ficando abaixo de 900 mil pessoas. Diniz Alves observa que o Brasil e o mundo estão passando por um processo de transição demográfica, com diminuição das taxas de mortalidade e de natalidade. "A pandemia da covid-19 não vai mudar o rumo da tendência demográfica, de decrescimento, mas deve antecipar isso", afirma. Ele acredita que a pandemia seja algo pontual e que o Brasil voltará à tendência anterior, com nascimentos diminuindo, a um ritmo menor que na pandemia, e menos óbitos. "Não sabemos quando a pandemia vai acabar nem o que acontece depois dela. Mas uma das hipóteses que tenho é de diminuição da mortalidade passada a pandemia. Não voltaremos a ter 1,3 milhão de mortos. A natalidade, por sua vez, deve voltar ao patamar anterior. Não acho que vai explodir, mas mulheres que adiaram a decisão reprodutiva vão retomar seus planos", afirma o demógrafo, ao lembrar que no auge da pandemia da zika a natalidade caiu em 2016 e retornou ao ritmo anterior. "Espera-se que aumente a natalidade em relação ao período da pandemia, mas volte à tendência de queda estrutural, que já era esperada." Ele espera que a pandemia seja um choque conjuntural. "Estávamos em um processo de transição demográfica e isso vai continuar. É um processo de décadas e décadas, de 60 a 70 anos. Independentemente da pandemia, teremos diminuição da mão de obra, com menos gente entrando no mercado de trabalho, e a quantidade de idosos aumentando, tendo impacto sobre a Previdência e o sistema de saúde", diz. "A população já ia diminuir, e com a pandemia talvez diminua um pouco mais, mas sem afetar a tendência estrutural. O efeito da covid no longo prazo, portanto, deve ser pequeno."

Valor Brasil

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