Secretário de Cultura se pronuncia sobre "confusão" com índios em Tupã
02/05/2018
Mudança de local de apresentação teria causado confusão entre índios e Secretário em Tupã na Praça da Bandeira.
Após um século do movimento pacificador liderado pela índia Vanuíre, no ano de 1912, durante a marcha do café ocorrida na região, brancos e índios voltaram a se desentender no último final de semana, na Praça da Bandeira. No último sábado, ocorreu o encerramento da 40ª Semana do Índio. O evento terminou com a realização do 5º Festival de Danças Indígenas, que tradicionalmente ocorria no Espaço Cultural "José Anselmo Filho - Zé Pretinho”, na Praça da Bandeira. O festival não pôde ser realizado nesse local primeiro por causa da realização da Semana da Solidariedade. O evento foi prorrogado para o último sábado, dia 28 de abril. O Espaço Cultural, segundo a Secretaria Municipal de Cultura, já estava reservado para receber as atrações do Circuito Sesc de Artes, com apresentação do 2º colocado do programa The Voice Kids, da Rede Globo, Ayrton Montarroyos. Por conta disso, o festival indígena foi transferido para a Rua Coroados, em frente ao Museu Histórico e Pedagógico "Índia Vanuíre”. Após a apresentação, os índios buscaram uma resposta da prefeitura, em relação ao descaso da pasta com o evento das etnias indígenas.
O secretário Municipal de Cultura, Renato Gonzalez (foto), foi informado de que os indígenas estariam utilizando o palco sem autorização, e solicitou a retirada dos índios, para organização do show principal da noite. Os índios, por sua vez, não concordaram com as explicações do secretário e disseram estar cansados de "ficar quietos com tantos descasos”. Eles aproveitaram a oportunidade para reivindicar os seus direitos. Tupã demonstrou que, apesar de ser conhecida como a "cidade do índio”, não os possui de fato em suas terras, com a presença de aldeias - a não ser em nome de ruas, escolas e museu. Para os indígenas, a falta de respeito e consideração ocorrida no último sábado foi a "gota d’água” em relação à falta de atenção para com as etnias nativas. Índios A indía Lidiane Damaceno Krenak, de 36 anos, disse que, há cinco anos a ACAM Potinari e o Museu "Índia Vanuíre” realizam o Festival Estadual de Danças Indígenas, com a presença de sete etnias. "A Secretaria Municipal de Cultura deu a certeza que poderíamos utilizar o espaço para fazer o festival. Com uma semana antes, a prefeitura ligou e disse que não ia ceder mais o espaço para fazer o show. A prefeitura já sabia que nós íamos utilizar aquele espaço”, afirmou. Cerca de 600 índios participaram da festividade, incluindo os familiares. "Foi um total desrespeito com a cultura indígena e com as sete etnias”, destacou Lidiane, ao explicar que o evento foi representado por índios da Aldeia Vanuíre, de Arco-Íris; da Aldeia Icatu, de Braúna; quatro aldeias da cidade de Avaí; e uma aldeia da cidade de Apucaraninha, no Paraná. "Ao longo de 30 anos, estamos querendo desmistificar isso. O que o secretário está fazendo com a gente, falando que nós somos selvagens, que somos agressivos, que somos sem educação, que não respeitamos nada. Isso que ele está tentando passar nas mídias. Foi a prefeitura que provocou tudo isso, não nós”, acrescentou. De acordo com Lidiane, a prefeitura usa o nome e a imagem do índio para se promover, mas quando precisam de ajuda, os indígenas não são atendidos. "A prefeitura não nos ajudou em nada”, afirmou. Segundo Lidiane, a apresentação começou às 16 horas, com idosos e crianças que dançaram no asfalto e no chão quente, sem nenhuma tenda. "Se não dava para oferecer o espaço, que pelo menos desse uma estrutura, com algum tipo de ajuda, com tenda, iluminação adequada. Esse descaso não vem acontecendo de hoje. É de muito tempo”, enfatizou. A indígena Micheli Thaís Barbosa, de 27 anos, disse que os tupãenses deveriam ter mais respeito e carinho pelos índios. "Nos arrumamos todos para nossa festa. Não se importaram e nem fizeram divulgação direito. Estamos sendo esquecidos. Tupã tem até um nome indígena. Merecemos mais na nossa área”, ressaltou. Público Funcionário de um supermercado da cidade, Édson dos Santos, de 33 anos, disse que ouviu uma líder indígena explicar que não tem culpa do erro da agenda realizada pela prefeitura. "Ele pegou o microfone e disse que os índios não pertencem à cidade de Tupã”, destacou. A líder kaingang Dirce George rebateu, de acordo com Santos, que se os índios não pertencem a Tupã, que não precisava chamá-los para se apresentar na cidade. "Já que a Aldeia Vanuíre não pertence a Tupã, que transfiram, então, o Museu ‘Índia Vanuíre’ para Arco-Íris”, disse. "Ela se retirou e os índios foram embora em cinco ônibus. Pior é que ainda chamaram a polícia para os índios. A secretaria deveria se programar direito. Isso foi um descaso com os índios. Havia crianças e mulheres que saíram chorando”, acrescentou Dirce. Secretário O secretário Municipal de Cultura, Renato Gonzalez, disse que foi pego como "bode expiatório” durante a confusão com os índios. "Eles foram incitados a fazer aquilo”, ressaltou. Gonzales explicou que o Espaço Cultural já estava agendado desde o dia 9 de fevereiro para a realização das atrações do Circuito Cultural Paulista. "Mesmo sabendo disso, tentamos mudar a data das atrações do Circuito Cultural para os índios utilizarem o espaço, mas não foi possível”, acentuou. O museu resolveu fazer o festival de dança na Rua Coroados, segundo o secretário. "Demos apoio com o fornecimento de som e interdição da rua. O evento foi muito elogiado pelo fato das pessoas ficarem mais próximas”, disse. Após a realização do evento, Renato explicou que foi para casa e recebeu uma ligação de que o Espaço Cultural teria sido "invadido” pelos índios. "O problema é que eles começaram a usar o espaço no horário da missa, que aconteceu das 19h30 às 21h. O festival de dança iria atrapalhar a missa”, afirmou. Nesse momento, o palco começou a ser montado, para receber o show do artista Ayrton Montarroyos. "Agrediram o nosso diretor de Cultura, Lucas Godoy, e tomaram o celular dele. Os índios fizeram uma roda em torno dele, apontando lanças e flechas. Quando eu cheguei, fizeram a mesma coisa”, afirmou. "Disseram que se eu chamasse a polícia, a situação iria ficar pior”, completou. O secretário disse que os índios o obrigaram a subir no palco, para se pronunciar. "Fui cercado por uma roda de mulheres indígenas, que me fizeram subir no palco, me puxando pelo cabelo, pelas calças e camisa. Eu expliquei que o espaço já estava agendado, mas eles não aceitaram a explicação”, enfatizou. Lidiane disse que os índios não agrediram o secretário. "Muito me espanta o secretário taxando nós de rebelados, agressores, covardes e violentos. Não houve agressão. Ele disse que foi agredido e não foi. Os arcos e flechas faziam parte dos acessórios, não fomos lá para agredir ninguém, só para ter explicações sobre o descaso”, justificou. Parque Indígena A líder kaingang Dirce George disse que a prefeitura não se reuniu com os índios para explicar a construção do Parque das Nações Indígenas. Segundo a prefeitura, o parque será construído em um terreno próximo ao trevo principal, sentido da vicinal Tupã/Bastos. "Se o projeto é feito no nome do indígena, é nosso. O dinheiro é nosso. Nós sabemos dos nossos direitos e já perdemos tanto. Já perdemos muito por ficarmos quietos. Mas agora, para nós, chega. Basta. Vamos esperar o prefeito conversar com a gente. Eles falam que vão fazer um projeto e ninguém nos procura”, afirmou. "Ninguém vai na aldeia para falar com os indígenas. Nós queremos, sim, a nossa aldeia. Não precisamos ficar pra lá e pra cá. Vamos voltar para nossa aldeia e descansar para a batalha do outro dia”, ressaltou. Segundo Lidiane, quando os índigenas souberam da construção do parque, o prefeito José Ricardo Raymundo (PV) estava em São Paulo, assinando o convênio das obras. O secretário disse que não possui conhecimento sobre o projeto do Parque das Nações Indígenas, porque não faz parte da sua secretaria. "O projeto está em fase de elaboração e foi aprovado pelo Conselho Municipal de Turismo. É uma obra da Prefeitura de Tupã e os índios não gostaram da ideia. Não foi eu quem fez o projeto”, disse. "Os índios falaram que a Prefeitura de Tupã não lhe dava saúde, educação e tudo o que eles pediam era negado. Mas a aldeia não pertence a Tupã, pertence ao município de Arco-íris. Eu pedi para eles fazerem seus pedidos para a prefeitura deles. Mas aí as coisas ficaram piores e eles partiram para cima. Mesmo assim, o prefeito ficou de recebê-los, e as portas da secretaria estão abertas”, acrescentou. Desrespeito O secretário disse que, em nenhum momento, a prefeitura desrespeitou os índios, devido a projetos já realizados para investimento na cultura das etnias. "Temos um funcionário que é da aldeia, fizemos recentemente um ciclo para pesquisas da cultura indígena e temos vários projetos nesse sentido. Não podem falar que estamos desrespeitando a cultura”, afirmou. Na abertura do evento que aconteceu no museu, Gonzalez disse que homenageou índia Vanuíre. "Disse que em uma época em que os jovens estão sem ídolos, eles deveriam conhecer a história da índia Vanuíre, que foi uma pacificadora, e seguir os seus exemplos”, salientou. Intimidação Para o secretário, é comum ocorrer um "choque de agenda”, com a realização de eventos no mesmo dia. "Agora, o que não está certo é o fato deles falarem que se chamarmos a polícia, a situação iria ficar pior, apontar a lança para nós e falar que ia ‘correr sangue’. Eles ainda empurraram funcionários do buffet e nos fizeram ligar o som na ‘marra’. As crianças entraram no espelho d’água e jogaram água nas pessoas. Outros jogaram as caixas de som no chão. Foi um vandalismo e uma agressão escandalosa”, afirmou. "Mas alguém os incitou a fazer isso. Nós já fizemos um boletim de ocorrência para a polícia investigar esse fato. Podíamos ter resolvido toda essa situação na conversa e de forma pacífica. Não somos contra as manifestações e protestos. Isso é normal e eles estão no direito deles. O que não podiam é levar a situação a esse ponto”, concluiu.Diário de Tupã
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