Por que vacina de coronavírus é dada no braço e não em outras partes do corpo
19/03/2021 Você já se perguntou por que as vacinas contra o coronavírus, como muitas outras, são injetadas no braço e não em outras partes do corpo?
O ritual se repete na maioria dos países: longas filas de pessoas aguardando sua vez, levantando as mangas e recebendo a vacina contra o coronavírus no braço.
Mas você já se perguntou por que as vacinas contra o coronavírus são injetadas na área do músculo conhecida como deltoide?
Por que não nas veias, como alguns antibióticos que buscam um efeito rápido, ou nas nádegas, como a maioria das injeções?
A verdade é que nem todas as vacinas são injetadas nessa região do braço: a vacina da poliomielite, por exemplo, geralmente é administrada pela boca, enquanto em alguns lugares a vacina contra a raiva é aplicada na barriga.
Recentemente, países como os Estados Unidos também começaram a testar a vacinação contra a gripe por via nasal, e outros, como Cuba, prometeram uma vacina semelhante contra o coronavírus, o que é um alívio para muitos que temem as agulhas.
Porém, para uma grande variedade de vacinas, como as atualmente aprovadas contra Covid-19, a recomendação é administrá-la "por via intramuscular" e para isso, ao longo dos anos, o deltoide tornou-se o local ideal.
A razão para isso é uma combinação de razões fisiológicas e práticas, explica René Nájera, epidemiologista e editor do site de educação para vacinas History of Vaccines, do Philadelphia College of Physicians, nos Estados Unidos, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
O beneficio dos músculos;
Segundo Nájera, para vacinas como as da Covid-19, busca-se a presença abundante de tecidos, ou músculos, de modo a permitir a posterior ativação de anticorpos contra a doença.
"No músculo, há muita vascularização, muito sangue, e isso significa que há uma presença maior de células do sistema imunológico", ressalta.
"Essas células são as que podem pegar a vacina, seja RNA mensageiro no caso das vacinas Moderna ou Pfizer ou DNA por adenovírus, no caso da Johnson & Johnson, e levá-las até a célula onde for necessário", explica ele.
Algo semelhante ocorre com as vacinas da chinesa Sinovac e a russa Sputnik V, administradas em vários países da América Latina, como o Brasil.
"Na vacina contra o coronavírus, o objetivo é despertar as células T e as células B, que são as que atacam o vírus. Essas células são como os soldados que estão em seu forte, esperando o chamado, e o forte em que estão são principalmente os músculos", acrescenta.
O especialista ressalta que isso significa que injetá-lo diretamente no sangue, como alguns soros, não o tornaria eficaz, uma vez que ali não se encontra o mesmo número de células dos músculos e o fluido do sangue pode diluir rapidamente alguns componentes da vacina.
Um estudo publicado na revista científica da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA indica que a dosagem na área do músculo deltoide "otimiza a imunogenicidade (ativação da resposta imune) da vacina" e "minimiza reações adversas no local de injeção".
A pesquisa observa que injetar a vacina em outras áreas sem atingir o músculo reduz significativamente a presença de anticorpos no sangue e leva a "uma diminuição mais rápida na resposta dos anticorpos".
É possível usar outras áreas do corpo?
Segundo Nájera, outras partes do corpo, como as nádegas ou as coxas, também podem ser eficazes, por serem áreas ricas em músculos.
"Em crianças, por exemplo, as vacinas intramusculares são geralmente aplicadas nas pernas, porque é onde geralmente elas têm mais tecido", diz ele.
"Em adultos, as nádegas também podem ser uma opção, mas não é conveniente porque às vezes têm tecido adiposo, o que torna a vacina menos eficaz", diz.
Segundo o estudo, embora as nádegas fossem tradicionalmente consideradas um local apropriado para a vacinação, as camadas de gordura presentes em algumas pessoas não contêm as células apropriadas necessárias para iniciar a resposta imunológica.
"O antígeno também pode demorar mais para chegar à circulação após ser depositado na gordura, levando a um atraso no processamento da resposta imunológica", diz.
Nájera destaca que, em termos logísticos, o antebraço também é mais prático, pois se perderia mais tempo se a pessoa tivesse que se despir para se vacinar.
Ele ressalta que quando é necessário vacinar o maior número possível de pessoas no menor tempo possível, como em uma campanha de vacinação, o simples levantamento da manga costuma ser mais eficaz e ainda mais prático para muitas culturas, onde tirar a roupa é visto como tabu.
Por que a área de vacinação mudou?
Nájera lembra que encontrar os locais adequados para injetar as vacinas e as melhores formas de inoculação é resultado de mais de 200 anos de história.
"Para a primeira vacina inventada, que foi contra a varíola em 1797 na Inglaterra, foi usado outro vírus que veio de vacas - daí a palavra vacinação - e foi injetado não com seringas, mas com uma agulha de metal com duas pontas (bifurcado agulha)", lembra ele.
A agulha e a seringa como a conhecemos agora chegariam em meados de 1800, quando foi usada pela primeira vez para a vacina contra a raiva.
"Naquela época, as pessoas já estavam pensando em qual local seria melhor para as vacinas. Louis Pasteur aplicou direto no abdômen, porque entendeu que estava usando um vírus atenuado e que precisava de um local aquecido para se multiplicar. Ele se deu conta de que o abdômen era o lugar ideal", afirma.
As vacinas orais, segundo o especialista, surgiram quando se descobriu que o cólera era transmitido por bactérias e passava por alimentos ou bebidas contaminados.
"No início do século 20, começou-se a entender melhor como funciona o sistema imunológico, seus diferentes componentes e reações, e aí se está entendendo o potencial da via intramuscular para algumas vacinas", diz.
Nájera espera que as vacinas continuem evoluindo. Segundo ele, no futuro, talvez não mais sejam necessárias seringas, por exemplo.
"Já temos uma vacina contra a gripe que passa pelo nariz. Atualmente, há testes com imunizantes para serem administrados por meio de adesivos, ou com um spray ou aerossol que inalamos. Também com algum aditivo na comida ou bebida em vez de injeção", diz ele.
"É muito significativo o número de pessoas que têm medo de agulhas ou que não têm acesso a um posto de saúde para tomar a injeção. Com essas novas formas, o acesso às vacinas seria garantido a milhares de pessoas sem a necessidade de um profissional de saúde", acrescenta.