Enfermeira escreve bilhetes com mensagens de esperança a internados com Covid; Força para continuar , diz paciente
05/04/2021 Priscila Garcia Gimenez, de 37 anos, atua na linha de frente contra a Covid-19 no Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP). Objetivo é deixar a internação menos difícil e fazer com que as pessoas acreditem que vão se curar.
Em um cenário repleto de incertezas e medos, uma enfermeira do Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP) encontrou uma forma de trazer acalanto e esperança para pacientes internados com Covid-19.
Priscila Garcia Gimenez, de 37 anos, escreve bilhetes com palavras de incentivo e entrega para as pessoas que estão lutando contra a doença.
A atitude simples, mas cheia de energia positiva, tem feito grande diferença na recuperação dos hospitalizados.
"A gente tem muito medo de morrer. É uma sensação de solidão. A doença só aumentou minha depressão. Mas quando encontrei a Priscila tudo mudou. Os bilhetes me deram força para continuar. Trouxe todos comigo e os coloquei em um quadro", relembra Rosana Roseli da Silva, 50 anos, que ficou sob cuidados de Priscila.
Rosana conta que começou a apresentar os sintomas da Covid-19, procurou ajuda no pronto-socorro de Nova Granada (SP) e foi transferida para o Hospital de Base.
Ela deu entrada em setembro de 2020 e ficou internada durante 14 dias, sendo sete na Unidade de Terapia Semi-Intensiva e o restante na enfermaria.
"Recebi o primeiro bilhete enquanto estava pronada. Quando acordei, virei e vi o bilhete colado, mas não sabia quem tinha deixado. Depois a Priscila entrou no quarto e descobri a história. Fiquei emocionada", relata.
Ao longo dos 14 dias de internação, Rosana recebeu quatro bilhetes de Priscila. Todos foram escritos à mão e traziam mensagens diferentes.
"Eu pegava e colava os recados em sequência. O último que recebi dizia que eu tinha vencido a doença e que Deus me amava. Comecei a chorar na mesma hora que recebi", diz.
No dia em que receberia alta hospitalar, Rosana recebeu a última visita de Priscila. Com medo de piorar, ela compartilhou as preocupações com a enfermeira.
"Ele falou para eu não chorar e disse que encontraria minha família. Sou muito grato por tudo que a Priscila fez. Fiquei muito feliz por existir alguém que não pensa somente em dinheiro e quer ajudar o próximo. Ela trata todos muito bem, independentemente da classe social, cor ou sexo. É uma pessoa extremamente humana", conta.
Outro paciente a receber um bilhete de Priscila foi Cristiano, da dupla com Zé Neto. O cantor sertanejo testou positivo para a doença e também ficou internado no Hospital de Base.
Depois de precisar de oxigênio, receber alta e voltar para a casa da família, Cristiano publicou vídeos nas redes sociais para mostrar o recado de Priscila.
"Galera, olha que legal. Estava pegando as coisas que eu trouxe do hospital. Achei uma lembrancinha que uma enfermeira levou lá no meu quarto. Ela leva em todos os quartos. Obrigado, mais uma vez, aos enfermeiros e médicos pela dedicação", comentou o sertanejo.
Além do cantor, a mulher, Paula Vaccari, os filhos, Pietra e Cristiano, e a sogra, Cidinha Silva, foram diagnosticados com Covid-19. A esposa e a sogra também precisaram ser internadas para tratamento da doença. Ambas já receberam alta e estão em casa.
Humanização
Priscila atuava como enfermeira cirurgia, mas começou a trabalhar na linha de frente da Covid-19 quando a pandemia começou.
"Precisaram de uma enfermeira clínica e me prontifiquei. Quando adentrei ao setor de Covid-19, vi que a situação e comecei a pensar no que poderia fazer para ajudar. Todo mundo está com medo", conta.
Priscila conta que pegou um bloco de papel, colocou no bolso e foi para o hospital. Enquanto fazia visitas aos pacientes, precisou de uma caneta, encontrou os papeis e começou a escrever os bilhetes.
"Entreguei para a primeira pessoa e senti uma energia muito positiva. Parece que ela só tinha aquilo para receber. É uma fragilidade tão grande que ultrapassa qualquer nível social e financeiro. A pessoa se apega aos mínimos detalhes para superar a doença", relembra.
Ao longo de mais de um ano de pandemia, a enfermeira perdeu as contas de quantos recados deixou para os pacientes e colegas de trabalho.
"Escrevo e também coloco à beira leito. Muitas vezes, os pacientes estavam ruim e não viam eu colocar, mas quando acordavam, olhavam o recado e se sentiam bem", diz.
Priscila relata que começou a obter resultados positivos por conta dos recados que escreve com carinho.
"Os pacientes ficam cegos, com muito medo de morrer ou precisar de intubação. Precisamos ajudá-los de todas as formas que conseguimos. Fico muito feliz com tudo isso, sinceramente. Só pratica a humanização quem quer e está disposto", afirma.
O dia a dia complicado também influencia diretamente na saúde mental dos profissionais de saúde que estão lidando com mortes desde o começo da pandemia.
Ao perceber que colegas de trabalho estavam tristes em certos dias, Priscila também começou a entregar os bilhetes e alguns mimos.
"Sou enfermeira responsável, mas não faço nada sozinha. Já me deparei com profissionais chorando e dei bilhetes. Depois vieram me agradecer, dizendo que estavam muito mal no dia e pensando em desistir. Meu coração é cheio de coisas boas para todos que precisam em um momento difícil", diz.
Sobre Cristiano e Rosana, a enfermeira guarda algumas lembranças do tempo em que os dois ficaram internados.
"Um dia cheguei no quarto do Cristiano e disse que eu daria um autógrafo. Ele estava sentado e viu minhas meias coloridas. A reação dele foi começar a rir. Consegui tirar um sorrido do rosto dele. É um minuto que a pessoa esquece dos problemas", conta.
"A Rosana foi uma situação maravilhosa. Além de ela enquadrar os bilhetes, teve uma comemoração de Nossa Senhora, e o prefeito a chamou e cinco meninas entraram segurando plaquinhas com frases que escrevi. Ou seja, foi muito importante para a Rosana", relembra.
Mesmo depois de tanto tempo atuando na linha de frente e convivendo com histórias que nem sempre acabam com um final feliz, Priscila tenta manter a positividade.
"Precisei me adaptar, mas enfrentei com cabeça erguida. Tento dar o meu melhor em um ambiente com muito sofrimento e tristeza. Tive meus pais internados com Covid-19. Eles ficaram dez dias no hospital. Ainda continuo acreditar no lado bom em tudo isso, porque realmente existe. Falo que o Hospital de Base é uma referência, mas não só em saúde. É diferenciado", afirma.