HUM TUPÃ

Era setembro de 1987 quando dois catadores de lixos decidiram vasculhar as antigas instalações do Instituto Goiano de Radioterapia, no centro de Goiânia, quando se depararam com um aparelho de radioterapia abandonado que, na cabeça deles, poderia ser desmontado, separando as partes de metal e chumbo para vender. Atraídos pelas caraterísticas do item, removeram a máquina com a ajuda de um carrinho de mão e a levaram até a casa de um deles, onde permaneceram separando as partes de seu interesse por cinco dias. Com o equipamento parcialmente desmontado, levaram as peças que não eram de seu interesse para Devair Alves Ferreira, dono do ferro-velho da cidade. Sem informações ou menor noção do que era aquela máquina e do que havia em seu interior, o chefe do estabelecimento desmontou o que lhe foi dado, expondo ao ambiente 19,26 g de cloreto de césio-137 (CsCl), um isótopo que se parece com um pó branco, mas que no escuro brilha numa coloração azul radiante.

A cápsula de onde saiu o Césio-137 / Crédito: Comissão Nacional de Engenharia Nuclear
A cápsula de onde saiu o Césio-137 / Crédito: Comissão Nacional de Engenharia Nuclear
Ao se deparar com o brilho azul emitido pela substância, ele resolveu exibir a seus familiares e amigos o incrível pó, do qual todos ficaram maravilhados. Sem conhecimento, acreditavam estar diante de algo sobrenatural. A casa de Devair virou uma espécie de atração para a vizinhança, recebendo visitas constantes, pois todos queriam apreciar aquele "pó mágico", alguns tendo até levado amostras para casa. Esse foi o caso de Ivo, irmão de Devair, que impressionado com a substância a levou para sua filha Leide das Neves brincar. A tragédia Essa exibição ocorreu durante quatro dias, tempo o suficiente para que o material radioativo se espalhasse pela região e começasse a causar efeitos adversos na população. Um grande número de pessoas procurou hospitais e farmácias reclamando dos mesmos sintomas, mas foram erroneamente medicados, já que não se sabia do ocorrido. A esposa do dono do ferro-velho já havia começado a achar a situação esquisita e decidiu levar parte da máquina de radioterapia até a sede da Vigilância Sanitária. Foi no dia 29 de setembro, que as autoridades tomaram conhecimento e identificaram o material. Com a ajuda do físico Valter Mendes, solicitado pelos médicos sanitaristas para avaliar a contaminação radioativa, constatou-se que havia índices de radiação muito elevados no bairro em que ficavam o ferro-velho e a vizinhança de Devair. Diante de tais evidências ele acionou imediatamente a Comissão Nacional Nuclear (CNEN).
Agentes retirando material radioativo / Crédito: Divulgação
Agentes retirando material radioativo / Crédito: Divulgação
"Quando fomos até a casa de Ivo, sua filha Leide era uma fonte ambulante. Os valores que ela tinha eu não conseguia medir, o detector já estava saturado também. As taxas eram extremamente elevadas, inadequadas para o convívio de qualquer ser humano, por isso foi evacuada toda a região", contou o físico em uma entrevista ao Fantástico. Quarentena Sete pontos de Goiânia foram evacuados na época do acidente por causa do alto índice de radiação, e a CNEN montou um esquema de triagem no Estádio Olímpico, onde cerca de 112 mil pessoas foram colocadas em quarentena e banhadas constantemente, sem justificativas dadas pelo governo, que escondeu a causa e o incidente.
Vítimas sendo examinadas / Crédito: Divulgação
Vítimas sendo examinadas / Crédito: Divulgação
Cerca de 6 mil toneladas de material contaminado foram enterrados, localizado no município de em Abadia de Goiás. Agentes da comissão, policiais e bombeiros também ficaram encarregados de destruir os utensílios e objetos pessoais das pessoas que tiveram contato com o césio-137, uma vez que esses estavam contaminados. Vítimas e consequências Foram registradas oficialmente quatro mortes causadas diretamente pelo césio-137. A primeira delas foi a filha do Ivo Alves Ferreira, a menina Leide das Neves Ferreira, que morreu em 23 de outubro de 1987. Maria Gabriela Ferreira, de 37 anos, esposa de Devair também morreu no mesmo dia. As outras vítimas, apesar de terem sobrevivido, acarretaram diversos problemas de saúde por conta do contato com a radiação. O irmão de Devair e de Ivo, Odesson Alves Ferreira, foi a última pessoa a sair da quarentena e teve consequências de deformação física. "Peguei um fragmentozinho, do tamanho de um grão de arroz, mais ou menos e coloquei na palma da mão e esfreguei nos dedos. A amputação do dedo foi proveniente disso, porque queimaram também esses dois dedos justamente onde eu peguei”, contou ele em entrevista ao Fantástico.
À esquerda foto de Odesson Alves Ferreira, mostrando suas mãos que sofreram deformações após o contato com césio-137; À direita foto de Leide das Neves, primeira vítima morta pelo acidente radioativo / Divulgação
À esquerda foto de Odesson Alves Ferreira, mostrando suas mãos que sofreram deformações após o contato com césio-137; À direita foto de Leide das Neves, primeira vítima morta pelo acidente radioativo / Divulgação
O acidente de Goiânia é considerado o 2° maior da história no âmbito radioativo, atrás apenas do acidente na usina nuclear de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia. Em 1996 três médicos responsáveis por terem abandonado a clínica com o aparelho de radioterapia, mais um físico e o dono do prédio, foram condenados por homicídio culposo com pena de três anos e 2 meses, em regime aberto. Os moradores da área afetada sofreram com amputações, tumores e doenças graves como o câncer, além de todo o preconceito que rondava sobre eles, já que foram por muitos anos vistos como "contaminados".

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