Encenar personagens é nova febre em Grupos onde fingimos ser , no Facebook
16/10/2020
As redes sociais sempre foram alternativa para escapar um tanto da realidade — seja postando apenas bons momentos ou assumindo uma personalidade diferente da que temos. Assumir um alter ego ou criar perfis falsos, além de ser visto com maus olhos, vai contra as regras desses sites. Apesar disso, foi dentro do Facebook que fingir ser quem não é se tornou uma grande diversão para mais de 600 mil pessoas. Todas elas fazem parte do Grupo onde fingimos ser o Jacquin , criado há menos de um ano. O intuito da comunidade é claro: fingir ser o chef francês Érick Jacquin — e é possível entender a brincadeira já na descrição do grupo, feita com o sotaque do chef. "Esse grrup fô criad parra homnagiarr ess icôn da currinarria interrnazionall". Jacquin é famoso pela participação como jurado no talent show MasterChef Brasil e no programa "Pesadelo na Cozinha", em que dá consultoria a restaurantes. Na comunidade do Facebook, todos se valem da ideia de ser o chef por alguns minutos e avaliam as fotos das receitas postadas por outros membros do grupo, que variam entre pratos simples, mais elaborados ou verdadeiros desastres culinários. Em Heliópolis, na zona sul da capital de São Paulo, vive o criador da comunidade, Hugo Pereira, 25. Ele é assistente administrativo e assume não saber cozinhar, mas é assíduo telespectador de Jacquin e revela que esse foi um dos motivos para fundar o grupo. "Gosto da personalidade do chef, seja na firmeza ou na hora de criticar os pratos", conta ao TAB. "Falta tompêrro?" O sotaque francês cria uma nova língua dentro do grupo, e essa é, inclusive, uma das regras para comentar ou compartilhar publicações. "O conteúdo postado é predominantemente culinário, mas publica-se muito sobre os programas em que o Jacquin participou. Temos praticamente um idioma próprio. Tem memes que só circulam lá dentro", explica Pereira. O criador do grupo perdeu o emprego logo no início da pandemia de Covid-19, mas a experiência com a internet e as redes sociais faz com que ele pense em mudar de área. "Quero trabalhar com internet ou marketing, são coisas com que me identifico", afirma. Para o paulistano Gustavo Ribeiro, 25, almoxarife hospitalar, interagir com o grupo é uma forma de se divertir e também de conhecer hábitos alimentares de outras regiões do país — coisas que, para ele, são novidade. "Em São Paulo, tomamos açaí com coisas doces, granola, frutas, leite condensado. No Pará, eles comem com alimentos salgados, como, farinha, peixe e carne seca." "São 600 mil pessoas me imitando, isso é inesperado, é uma coisa que não dá para explicar. Acho até que vou entrar lá, não imaginava ser tão popular. Eles estão inventando um português diferente. E eu estou virando um humorista", disse o chef Érick Jacquin ao TAB, com seu sotaque inconfundível. O chef ressaltou que gostou da brincadeira, mas que não pode passar do limite — e que comida também não é brincadeira, é coisa séria. "Se estão cozinhando deve ser bom, mas se está em casa ou em qualquer lugar, a comida tem que ser boa, comida é a coisa mais séria do mundo." Role play de idosos Muito antes da aposentadoria, problemas e sabedoria comumente embalados na bagagem da idade avançada são simulados pelos quase 600 mil membros — a maioria, jovens — que imitam idosos no Grupo onde fingimos ser idosos confusos com a tecnologia . Para a au pair Nathália Oliveira, uma das fundadoras do grupo, a grande diversão está na encenação. "Um amigo começou com a ideia nesse grupo de Facebook apenas entre nós, cerca de 18 pessoas. Brincávamos de role play [encenação de personagens>. Cada um tinha sua história de idoso e postava os acontecimentos de sua vida fictícia. A gente não esperava que fosse crescer tanto", explica Oliveira. Natural de Cícero Dantas na Bahia, Oliveira mora há dois anos nos Estados Unidos, e revela que a ideia nasceu de um outro grupo na rede social, em que todos fingiam ser boomers (geração que nasceu entre 1950 e 1960), uma versão em língua inglesa que tem basicamente a mesma proposta do grupo criado por ela. Em uma pesquisa no Facebook, é possível encontrar mais de 10 grupos com o mesmo nome em inglês. No entanto, nenhum reúne o mesmo número de participantes quanto o grupo de Oliveira, criado para brasileiros. "Costumamos dizer que levamos o role play para o Brasil, porque antes do nosso grupo pouca gente brincava de fingir ser algo em grupo, e aqui nos Estados Unidos isso é bastante comum", conta ao TAB.
Apesar do humor ácido, Oliveira afirma que a ideia não é menosprezar ou praticar bullying com as pessoas da terceira idade, e revela que no grupo foi criado um movimento para problematizar o tema. "É uma forma de conscientizar de que apesar de engraçado, a geração deles não teve acesso à tecnologia como nós. Criamos um tópico no grupo para discutir isso com mais empatia, porque há falta de oportunidade e tem as questões da idade, como problemas de visão. Isso fez um pessoal ver o outro lado, além da brincadeira." Fingir ser é a nova febre Os grupos destinados ao fingir ser são uma febre no Facebook — e reúnem desde espaços para quem quer se passar por um animal doméstico até para quem quer fingir estar no passado ou no futuro. Para Sandra Turchi, especialista em transformação digital e coordenadora do curso de marketing digital da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), o conteúdo cômico pode ser o grande atrativo. "O humor sempre foi um ingrediente viralizante. Há uma identificação rápida, e as pessoas sentem vontade em compartilhar aquilo que gera nelas alguma emoção. A similaridade de gostos faz com que eles ampliem a rede e, desta forma, o alcance desses grupos e temas", analisa Turchi. Se a vida em quarentena anda monótona demais, tentar viver uma realidade alternativa cyberpunk, ainda que na internet, pode ser uma opção no "Grupo onde fingimos estar no futuro", com 118 mil membros, criado no início deste ano pela chef de cozinha carazinhense Andri Daudt, 30. A ideia da comunidade é interpretar um personagem que está em um futuro muitíssimo distante. "Nosso conteúdo se limita a tudo que for futurístico. Não podemos sair do personagem. Falamos de outros planetas, suposições de como seria o mundo daqui 100, 1000 anos — ou até quando não existir mais contagem de tempo", explica Daudt. Entre as postagens, estão trechos de filmes de ficção científica, bugigangas tecnológicas e tudo que remeta a um futuro que ainda não chegou. Para a criadora do grupo, a explicação para o crescimento da comunidade pode estar nos tempos difíceis que estamos vivendo. "Em meio ao caos do presente, entramos na nossa máquina do tempo, passamos por tudo isso e paramos aqui no nosso grupo. Creio que foi isso que nos uniu", diz ao TAB. Foi inspirado no grupo futurístico de Daudt que o guarulhense Jhonatan Guerreiro, 24, técnico em climatização, criou a sua versão de fingir apelando para nostalgia. Ele fundou o Grupo onde fingimos estar no passado , que reúne 25 mil membros. Feito no ócio da quarentena, a ideia é encenar um personagem que está vivendo décadas e, por vezes, milênios passados. "Temos postagens das décadas de 70, 80, 90, 2000. Vale desde um segundo atrás até mesmo postagens que se referem à época de Jesus Cristo." Apesar de divertido, o grupo também consegue trazer uma proposta de conhecimento histórico. Assim defende o auxiliar administrativo Lyu Somah, 35, que ajuda na administração da comunidade. "O que eu acho mais divertido no grupo é o quão longe os membros viajam ao passado e trazem à tona fatos que eu não conhecia. De certa forma, é um aprendizado." De volta ao mundo real — e longe de voltar no tempo ou de simular um futuro distópico — está um grupo que quer mudar seu mindset. O Grupo onde fingimos ser empreendedores emocionados do LinkedIN , criado pelo mineiro Claydson Vieira, 30, professor da rede pública, que tem como proposta satirizar alguns posts da rede destinada a fins profissionais. "Resolvi criar o grupo no Facebook devido à quantidade de posts sensacionalistas e surreais feitos no LinkedIn. Os conteúdos do grupo são sempre relacionados a algum contexto de vendedor, recrutador ou alguém tentando imitar um coach com cunho sarcástico e humorístico", explica Vieira. Se você viu algum post no LinkedIn em que o candidato pegou chuva, a mãe morreu e a impressora quebrou bem no dia da entrevista, mas o bondoso recrutador abriu mais uma chance, para Vieira, seu grupo ajuda abrir os olhos para esse tipo de conteúdo - que, em sua maioria, é falso, e tem como único objetivo viralizar posts na rede profissional. "O pessoal ficou mais esperto com esse tipo de postagem. Antes, você só via as pessoas que iam na onda do storytelling. Agora, tem até um pessoal que critica bastante esse tipo de conteúdo."TAB UOL
Fique informado em tempo real sobre as principais notícias de Tupã e região.