CRÔNICA: Último degrau da escada
24/02/2021
Dr. Alexandre Yoshimassa Taniguti é médico ginecologista obstetra e contribui com o conteúdo do TupãCity com suas crônicas.
Por Dr. Alexandre Yoshimassa Taniguti* Mais um degrau pela frente. O último obstáculo a galgar após os seis andares já vencidos, apenas mais um piso naquela congelante noite de julho. Sétimo andar do imponente prédio do Hospital do Servidor Estadual de São Paulo, quem o conhece sabe quantas histórias aquele recinto abriga e a minha seria apenas mais uma. A cada lance da escada eu cerrava os dentes: Medo e aflição. Tinha um desafio enorme pela frente, pois era um inexperiente médico, e estar lá era como estar na jaula de leões famintos. Minha angústia tinha nome e sobrenome, além de um câncer de mama avançado com metástase para a coluna causando uma escara (ferida) nas costas do tamanho de um punho que chegava até o osso. Eu não sabia lidar com aquela situação, pois sabia que a paciente estava morrendo. Eu gostava muito daquela senhora e também da sua família. Identificava aquele povo e refletia meu ambiente doméstico ali ao redor do leito. O marido e filhos sofriam, mas a mulher tacitamente não. Algo me atingia profundamente quando ela resignada com sua patologia olhava em meus olhos e tinha compaixão do meu desespero. Uma incrível inversão de valores onde a paciente experiente consola o jovem doutor. Telepaticamente ela me dizia: "eu estou morrendo, eu sei..., mas você fez um excelente trabalho e isso é o ciclo da vida". Isso era o que seus olhos diziam. Nós profissionais da saúde passamos o curso inteiro de medicina escutando que devemos ser frio, blindado em razão e não devemos nos envolver com o paciente, mas de repente tudo aquilo parecia ser tão falso. Como não se envolver quando estamos em meio a um turbilhão de sentimentos? Como não de sentir triste na morte ou doença de um ser humano? Como não dar a mão a quem tanto precisa? Como não abraçar ou lançar um olhar solidário em situações delicadas? Foram dois meses (e que meses longos aqueles), que cuidei daquela senhora. Mesmo quando não precisava estava lá, pronto para cuidar do corpo e alma da enferma. Após todas as medidas cabíveis e possíveis a paciente faleceu padecendo em paz, pois havia lutado e plantado sementes de amor em todos que a conheciam. Uma família maravilhosa que agradeceu meu pequenino trabalho de médico residente. Naquele dia voltei para casa, num clima não tão frio como de dois meses antes, e em chegar ao meu quarto, na intimidade da minha aconchegante cama, chorei como criança. Após aquele dia sabia que tinha aprendido uma importante lição: É preciso se envolver na medicina. Quando há vínculo há comprometimento. Infelizmente não é sempre que dá certo (e muitas vezes isso acontece), mas paira a tranqüilidade que o melhor foi feito. A partir deste dia minha alma ficou mais fortalecida assim como alguns fios de cabelo iniciaram a ficar branco.
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