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Meu filho Tiago certa vez me disse com muito entusiasmo: "Papai, quando eu crescer, quero ser astronauta". Eu quando pequeno nunca quis ser engenheiro como meu velho, minha referencia de homem, tinha aversão aos números e aos cálculos. Tão pouco quis ser médico, não gostava de sangue. "Filho, porque você não quer ser médico que nem o papai?" Eu queria ser lutador de karate. Queria ser um campeão do mundo da arte marcial. Durante anos da minha infância e adolescência me dediquei para isso. O Dojo (academia) era minha segunda casa e treinava fervorosamente, aos dezessete anos, com a faixa preta na cintura, o sonho quase virou realidade. Quem mudou minha história foi uma garotinha doce e ruiva, chamada Suzane e sua querida mãe Marísia. Conheci Suzane nos meados da década de 90, e lembro quando ela iniciou junto com seu irmão mais novo Andreas, a treinar em nossa academia. Na época, com dezesseis anos eu era o "uchideshi", instrutor ou simplesmente ajudante do "sensei", que era o professor. Cabia a eu cuidar e ministrar aos iniciantes os princípios básicos assim como introduzir as primeiras técnicas e golpes. O casal de irmão eram meus pequeninos alunos. Admirava aquela família. Além do casal de irmãos matriculados, sempre vinham à aula, o pai Manfred e a mãe Marísia. Eu desejava que meus pais também me acompanhassem em meus treinos, afinal qual filho não quer a presença dos pais em suas atividades? No final do treino conversava com eles a respeito da evolução dos filhos karatecas, e Suzane levava muito jeito, tanto que progrediu rapidamente. Com o convívio, logo fiquei amigo da família e comecei a participar da intimidade deles, me tornando um terceiro filho. Numa tarde de sábado, após um delicioso almoço oferecido a mim, o dedicado professor de karate, Marísia me perguntou: "Alexandre, você é jovem ainda... mas o que vai fazer da vida quando acabar a escola?" Para mim era natural responder que seria "sensei", mas não respondi, apenas balancei os ombros resignados. Pela primeira vez tive dúvida. "Porque você não se torna médico, como eu. Eu sou psiquiatra, você sabe o que faz uma psiquiatra?" Marisa me contou sobre a psiquiatria, sobre medicina, sobre ajudar o próximo. Que mulher fantástica, que carisma. Logo me projetei na profissão dela, vestido de branco, cor da pureza, cor do meu quimono. Suzane evoluía e já era faixa colorida e não mais branca. Após todos os treinos sentávamos sobre o tatame e sua mãe me contava mais sobre sua profissão e eu já conhecia histórias sobre Hipócrates, Asclépio e Pasteur Após o meu exame de faixa preta, com a conquista já lograda, tive que escolher sobre continuar minha vida galgando no karate ou partir para um novo desafio, ser médico. Lembro de Marísia dizendo: "A decisão é sua Alexandre. A vida pertence a você, escolha com o coração." Eu já estava enfeitiçado. A medicina já morava em meu peito e a arte marcial, que moldou meu caráter, agora era a minha armadura. Estudei tenazmente para o vestibular, assim como treinava para um campeonato. No final do ano, estava meu nome na lista, havia passado! Meus pais foram os primeiros que souberam da minha conquista e Marisa naturalmente, a minha inspiradora, a segunda. Tive que me mudar de São Paulo, já que estudaria em Sorocaba. Não abandonei prontamente o karate, mas ao longo da vida acadêmica este a cada dia ficava mais e mais distante. Depois da mudança pouco vi Suzane. Sabia que ela havia se tornado faixa marrom e estava virando uma mulher linda. Já não era mais criança, e estava namorando. Sei que meses após o inicio desse namoro ela nunca mais apareceu na academia. Sobre Marísia, Manfred e Andreas, nunca mais os encontraria. No ano após minha formatura, já médico, tive uma notícia que quase caí de costas e que ainda me dá nó na garganta. Assistindo a um telejornal escutei a notícia: "Menina mata os pais enquanto eles dormiam" Minha pequena karateca, Suzane Von Richthofen, havia assassinado seu pai e sua querida mãe e minha "mentora" Marísia. Acredito que nem a melhor psiquiatra explicaria isso.

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