OS CAMINHOS DO DESEJO
23/02/2024
Um conto sobre o desejo à luz da psicanálise
Em uma tranquila rua arborizada de uma pequena cidade, habitava Dona Laura, uma senhora de semblante sereno e olhos que pareciam guardar segredos. Sua casa, envolta em mistério, era um refúgio para aqueles que buscavam compreender os intrincados caminhos do desejo.
Certo dia, um jovem curioso chamado Lucas, neto de Dona Laura, bateu em sua porta. Intrigado porque acabará de ouvir em sua escola, um colega de turma dizer repetidas vezes que desejava muito sentir novamente a boa emoção e sensação de adrenalina de ir em um brinquedo de um parque de diversão, mas não apenas isso, que o mesmo brincava o tempo todo, dizendo que sentia desejos de se pendurar no ventilador da sala de aula e ficar girando.
Com a fama da anciã como uma sábia conhecedora dos mistérios da mente, Lucas ansiava compreender o significado do desejo e porque seu colega repetia tanto essa palavra quando dizia querer viver a emoção novamente e o que o mesmo tinha em sua cabeça para querer se pendurar em um ventilador da sala de aula.
Sentados em sua acolhedora sala, Dona Laura acendeu sua luminosa lareira e começou a desvendar os segredos do desejo, conforme a perspectiva da psicanálise.
— O desejo, disse ela com uma voz suave, é como um rio que flui por entre as paisagens da alma humana. Originado nas profundezas do inconsciente, ele é uma força pulsante que impulsiona nossos pensamentos, sentimentos e ações, mesmo quando estamos inconscientes de sua presença.
Lucas ouvia atentamente, ansioso por compreender mais.
— Dentro do vasto terreno do desejo, continuou Dona Laura, encontramos uma teia complexa de impulsos instintivos, fantasias ocultas e memórias enterradas. É um território sombrio e misterioso, mas também rico em significado e potencial de transformação.
— Mas como podemos entender nosso próprio desejo? Perguntou Lucas, perplexo. — E o que isso tem haver com se pendurar em um ventilador?
Dona Laura sorriu gentilmente. — É um desafio, sem dúvida. O desejo, muitas vezes, se manifesta de maneiras enigmáticas, disfarçado por camadas de defesa e resistência. No entanto, através da autoexploração e do diálogo terapêutico, podemos começar a desvelar os segredos de nossos desejos mais profundos.
— Todo encontro, é um reencontro, nada é completamente novo, estamos sempre à procura de algo já vivido, a procura de um prazer já experienciado, mas que não sabemos qual é; a procura de algo que possa satisfazer este desejo, de uma forma que se assemelhe deste prazer já vivenciado antes. Nota alguma semelhança com brincadeira que seu amigo fazia quando falava em se pendurar no ventilador? Perguntou Dona Laura.
O jovem com os olhos brilhando e um pequeno sorriso, balou a cabeça dizendo que sim.
— A rota se recalcula, se refaz, várias e várias vezes, mas a forma de se sentir em paz, se sentir completo, de sentir prazer no que vive, vai ser sempre a “mesma”; refazemos nossas rotas, quando tudo vai mal, para as coisas voltarem a fazer sentido em nossas vidas. Ou seja, refazemos nossa rota, para que tudo volte a fazer sentido na nossa vida e continuamos a sentir prazer em viver.
Enquanto as chamas crepitavam na lareira, Lucas contemplava as palavras de Dona Laura, sentindo-se inspirado pela jornada rumo ao autoconhecimento que se desenrolava diante dele.
Lucas, vidrado sem ao menos piscar os olhos, escutava atentamente sua avó falar.
— O campo dos desejos, perpassa e atravessa toda nossa vida, e está sempre muito mais vivo do que imaginamos, está presente em todas as nossas relações, em nosso cotidiano. Muitas vezes por não compreender em que se baseia o nosso desejo, apenas vamos pulando de galho em galho; escolhendo algo, nos cansando facilmente daquilo e mudando, justamente por precisar desejar mais e mais coisas, desejar mais e mais desejo.
O que até certo ponto, é algo natural, visto que sempre faltará algo, nunca estaremos totalmente completos, e se nos sentirmos completos, vamos procurar algo que falta para voltarmos a desejar alguma outra coisa, se não é perecer, é morte. Pois enquanto há vida, há sonhos, enquanto há sonhos, há desejos. Há uma grande necessidade em entender ou pelo menos compreender, os nossos próprios desejos!
E assim, naquele tranquilo recanto da cidade, entre conversas e reflexões, Lucas iniciou sua própria jornada em busca dos meandros do desejo, guiado pela luz da sabedoria de sua avó, orientada pela psicanalise e pelo calor reconfortante da compreensão humana.
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